terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

POR DENTRO DA POLÊMICA...

9° ANO

Por dentro da polêmica, intrigante e questionada prisão de Guantánamo

qui, 01/07/10
por alfredo bokel |
categoria Guantánamo
Ir para Guantánamo? Mas quando? Quando Barack Obama fechar a prisão? Ih, mas está difícil. O presidente americano prometeu na campanha à presidência passar o cadeado nesse pedaço da ilha de Cuba, tentou depois da posse suspender as audiências para rever os procedimentos e sonhou no governo dele transferir os presos daqui para uma cadeia de segurança máxima no estado americano de Illinois. Ele não conseguiu nem um, nem outro. Guantánamo continua do mesmo jeito: sempre tentando mostrar que aqui não acontece nada daquilo do que dizem que acontece. E foi para tentar dizer o que realmente acontece em Guantánamo que nós decidimos vir até aqui.
Mas chegar à Baia de Guantánamo não é para qualquer um. É para quem está autorizado pelo Pentágono, acompanhado das Forças Armadas Americanas e com dinheiro no bolso. Não é porque estamos vindo com eles, convidado por eles, protegido por eles, que não vamos pagar. São US$ 400 por pessoa, mais os gastos com alimentação, internet e transmissão de áudio e vídeo gravados aqui. Não é muito, é verdade. Mas serve para mostrar que nesse negócio não há troca de favores. E isso é bom para nós jornalistas, pensei. Teremos liberdade. Triste ilusão.
Amanhecia o dia 28 de junho quando chegamos à Andrews Air For Base, em Washington DC, e demos de cara com uma pilha de papéis para assinarmos: termos de responsabilidade, termos de compromisso e outros tratados que consistiam em eximir qualquer responsabilidade das Forças Armadas Americanas em caso de algum acidente, doença, problema conosco. Outras cláusulas diziam sobre a permissão de imagens. Na verdade, folhas e folhas diziam o que nós não poderíamos gravar. Tudo bem! É uma Base Militar de Segurança Máxima, abriga acusados de terrorismo e precisa se preservar. Vamos em frente.
Da pista da Andrews Air Force Base – onde vimos parado ao lado o Air Force One, o avião do presidente Obama – até Guantánamo, viemos num avião desses comuns, que estamos acostumados a ver em voos comerciais. Ou seja, tinha assento – mesmo que apertado – confortável. Não é anormal viajar em pé em aviões militares. Ah, imprensa reunida no fundão a pedido dos oficiais de relações públicas do Pentágono. E eles estavam ali o tempo todo para nos monitorar. Depois de três horas de voo, alguns minutos sobre o azul cristalino do Caribe, pousamos na polêmica Baia de Guantánamo.
Era só a baia. Ainda não era a base militar, muito menos a prisão. Até lá seriam necessários passar por mais alguns detectores de metal e navegar uns 20 minutos sobre uma balsa. Neste ponto, fomos presenteados pelos militares. Estavam autorizadas as gravações. Gravação do quê? De tudo o que havia em volta: a água e a vegetação. Orlando Moreira, repórter cinematográfico, que tem milhões de vezes mais experiência do que o tamanho do zoom da lente da câmera dele, tentou captar alguma coisa da base militar. Conseguiu, mas logo foi avisado que aquilo teria que ser apagado.
E assim nós começamos a perceber que não poderíamos dizer o que realmente acontece em Guantánamo. A cada imagem gravada tinha um militar para revisar e aprovar. Ou reprovar e mandar apagar. Nenhuma antena, nenhum soldado, nenhum prédio, nenhum carro, nenhum portão… nada disso pode. Nem dentro da sala de imprensa. Lugar, aliás, vigiado por militares 24 horas por dia. Enquanto escrevo esse texto, por exemplo, há dois sargentos ao meu lado. E eles só não interferem porque para eles isso é uma sopa de letras que não fazem sentido algum.
Momento sem escolta? Ah, como é bom dormir. Eles chamam de tendas, mas para nós são barracas. Seis camas separadas por uma parede improvisada de madeira, colchão, travesseiro, roupa de cama direto da lavanderia do quartel. Tudo em ordem. Tem até ar condicionado. Bom? Bom se ele estivesse numa temperatura razoável. Frio de cobrir a cabeça e fazer você sonhar com um banho quente no amanhecer. Virou pesadelo real. Banheiro de campo de guerra, montado em uma barraca, com água congelante. É para acordar! E para contar quantos dias ainda faltam para ir embora.
Antes vamos cobrir o que seria o primeiro julgamento de um preso de Guantánamo na gestão de Barack Obama. E isso tem um significado importante porque umas das acusações contra esse lugar, além das torturas nos interrogatórios para se obter confissão, é que os acusados de terrorismo são mantidos aqui sem julgamento por anos e anos. E chegou a vez de Noor Uthman Muhammed, um sudanês acusado de ter enviado um aparelho de fax para Osama Bin Laden. Ele foi preso em 2002 numa casa, no Paquistão, junto com outros suspeitos de ligação com a Al-Qaeda e com o Talibã. Mas não foi desta vez que foi definido o seu futuro. O julgamento foi adiado.
A tentativa serviu para, pelo menos, visitarmos – sem gravar, claro – as duas salas de julgamento aqui em Guantánamo. Todas são equipadas com monitores, câmeras, circuitos de TV para que o preso não fique frente a frente com os jurados. Aqui, no caso, jurados militares. É um júri militar, uma comissão militar legalmente instituída onde todos os envolvidos, como promotores, jurados, juiz e até a defesa são militares. Entre os defensores, é bom dizer, pode ter um advogado civil.
Mas o mais impactante é o processo de transferência e permanência do preso no local do julgamento. Ele sai da cadeia e segue para o tribunal algemado nos pés e nos braços, vai com olhos vendados e os ouvidos tapados. Só volta a enxergar quando está dentro de uma pequena sala acorrentado no chão, vigiado por uma câmera, e vendo a sala do júri por meio de uma televisão. Em todas essas celas há um sinal no piso indicando a direção de Meca – um lugar para onde os 181 presos de Guantánamo querem ir. Só que até lá há um longo caminho pela frente tão tortuoso quanto às questões que envolvem a polêmica, intrigante e questionada prisão de Guantánamo.

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